O livro de receitas vegetarianas de Kafka também continha uma receita chamada "Rã-árvore". Não se sabe se ele chegou a cozinhá-la.


Sigmund Freud teria ficado encantado. Um filho se rebela contra o pai, que vem de uma família de açougueiros, tornando-se vegetariano. O nome do filho é Franz, e o rigoroso Hermann Kafka, pai de família, não tem escolha à mesa da família a não ser segurar um jornal diante dos olhos. Ele não quer ver o que seu filho magricelo come. Também não quer ver como ele come. Com uma lentidão exasperante, Franz Kafka enfia nozes e verduras na boca.
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Cada mordida é mastigada exatamente quarenta e duas vezes. Este é o método Fletcher, em homenagem ao reformista nutricional americano Horace Fletcher. O escritor é fã dessa nova tendência. Vanguardista no consumo de alimentos, ele está aberto a tudo o que o setor fitness do início do século XX tem a oferecer. O homem, tão autocrítico em relação ao seu corpo quanto a Geração Z de hoje, também pratica o chamado exercício "Müller". Fazer ginástica nu em frente a uma janela aberta é considerado a última moda.
Kafka e a comida. Isso já é um capítulo à parte. Sua obra e cartas estão repletas de fantasias e sonhos bizarros de devoração e automutilação masoquista. O conto "Um Artista da Fome" é o texto para isso. Um homem que recusa toda e qualquer comida se deixa exibir como atração de parque de diversões. Ao fim de sua duvidosa vida de celebridade, ele anuncia que passar fome não o incomodava nem um pouco, "porque não conseguia encontrar a comida de que gostava".
Kafka provavelmente era anoréxicoO que Franz Kafka poderia ter apreciado agora pode ser recriado. As receitas estão contidas em um compêndio chamado "Livro de Receitas Higiênicas para Uso dos Antigos Hóspedes do Sanatório do Dr. Lahmann em Weisser Hirsch, perto de Dresden". Era propriedade do autor, e aqueles que agora o republicam o chamam simplesmente de "Livro de Receitas de Kafka". Eva Gritzmann e Denis Scheck complementaram "A Metamorfose Vegetariana de Franz Kafka em 544 Receitas" com anedotas culinárias da vida do suposto anoréxico. Seu próprio peso, 61 quilos e 1,81 metro de altura, não contradiz a sofisticada dieta sem carne compilada neste livro bibliófilo.
Em 1903, Kafka foi aprovado em seu primeiro exame de Estado em Direito. Como recompensa, o jovem de quase vinte anos recebeu uma estadia no sanatório do Dr. Lahmann em Dresden, como presente de sua família. O tratamento consistia principalmente em uma dieta vegetariana, e o homem recém-recuperado decidiu continuar. Um desafio para as governantas dos Kafka, mas elas pareciam se acostumar.
O "vegetarianismo" do Dr. Lahmann, como o autor o chama, é uma espécie de "puffing" em panelas e frigideiras. Leva muito tempo. Mas, no final, você é recompensado com uma culinária verdadeiramente poética que evoca pratos do nada — de ervas, grãos, vegetais, frutas, farinha e ovos — chamados "Sopa de Algodão", "Bolinho Egípcio", "Semmeleiherhaber", "Pudim Fidi", "Pfitzauf" e "Ofenschlupfer". O destaque provavelmente é o "Algodão ao Redor do Coração". Esta sobremesa consiste em suco de morango e claras de ovos, cobertos com chantilly e baunilha.
Um último sonho: tornar-se garçomCozinhar é como se deve comer: com paciência. Cozinhar o feijão por duas a três horas, como pede a receita de "Favas", exige tempo. Os formidáveis "Bolinhos de Maçã Assados", feitos com maçãs, amêndoas, pão ralado e manteiga, são mais rápidos.
As "rãs-árvore" são impressionantes; esses vegetarianos da velha guarda não traíram seus princípios, mas adotaram uma abordagem puramente figurativa. Folhas de espinafre são recheadas com uma mistura de pãezinhos, ovos mexidos, cebola e salsa e assadas no forno. À mesa, são cobertas com um molho de manteiga. Receitas como essa merecem ser revisitadas. Assim como a "prunellensuppe" (sopa de ameixas secas), feita com ameixas secas e passas.
Será que "O Livro de Receitas de Kafka", que enche o estômago só de ler, é uma contradição? Para Franz Kafka, comer sempre foi mais um fardo do que um vício. "Comer com a mão esquerda como se fosse algo casual", escreveu ele certa vez, era algo que ele não conseguia fazer. Observar os outros durante as refeições não era problema para ele.
Ele queria realizar um de seus últimos sonhos em Berlim com a namorada Dora Diamant: abrir um restaurante onde ele próprio seria o garçom. Consegue imaginar o artista faminto da literatura elogiando as delícias culinárias? Não exatamente. Por enquanto, "O Livro de Receitas de Kafka" terá que servir.
Livro de receitas de Kafka. A metamorfose vegetariana de Franz Kafka em 544 receitas. Editado por Eva Gritzmann e Denis Scheck. Klett-Cotta-Verlag, Stuttgart 2025. 448 pp., CHF 48,90.
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